30 anos sem Clara Nunes

"Quando a lua vem surgindo
Pra enfeitar a solidão
O vapor já vai partindo
Sem levar meu coração
Vou pela beira do mundo
Fugindo de toda cidade
Não existe rio fundo
Pra caber minha saudade"
(Toninho Nascimento e Romildo Bastos)



Num sábado de Aleluia, de céu cinzento e triste, Clara Nunes entrou pela última vez no Portelão, quadra da Portela, a Escola de Samba que tanto amava. A mulher de presença forte e sorriso largo, que arrastava multidões, mais uma vez reuniu um grande público. Mais de 50 mil pessoas foram ver o semblante de paz que Clarinha levava após 28 dias de agonia no CTI da Clínica São Vicente, no Rio de Janeiro. O sorriso já não mais existia. A voz, já não mais daria vida às músicas que ainda estavam por vir. Clara Nunes já não estava mais ali. Havia partido num Vapor de São Francisco. Foi levar seu sorriso, sua presença cênica e sua voz, perfeita, para a casa dos anjos. Foi cantar pra Deus. Clara Nunes havia morrido.



Clara Francisca Gonçalves, mais conhecida como Clara Nunes, sobrenome que adotara de sua mãe, Dona Amélia, nasceu em Paraopeba, Minas Gerais. Começou a cantar ainda bem pequena. Ganhava todos os concursos da escola e da cidade natal. Foi tecelã, assim como a maioria da população de sua pacata cidadezinha. Mudou- se para Belo Horizonte aos 15 anos. Na capital mineira conciliava o trabalho na Fábrica de Tecidos da Renascença com o canto. Logo deixaria a fábrica para se dedicar inteiramente à música. Ganhou fama na terra das montanhas. Se tornou o nome mais conhecido na música mineira dos anos 60. Mudou- se para o Rio de Janeiro em 1965 e gravou seu primeiro disco no ano seguinte. A partir daí, ninguém mais segurou a "mineirinha". Nascia ali um mito. Surgia uma estrela que marcaria seu nome em definitivo na história da Música Popular Brasileira.



A história de Clara Nunes se confunde com a história da própria Música Popular Brasileira. Sua trajetória e sua obra, renderiam muitos livros sobre a história desse nosso Brasil, que Clara cantou e encantou com sua voz potente e afinada, na qual graves, agudos e médios eram idênticos em qualidade sonora.

Clara Nunes, não foi apenas a cantora que quebrou o tabu de que mulheres não vendiam discos. Clara Nunes não foi somente a cantora que se ombreou às cifras de vendagens do "rei" Roberto Carlos. Clara Nunes foi muito além de cifras de vendagens. Ela foi aonde nenhuma outra artista ousou chegar, marcando um lugar de destaque na MPB e no coração dos fãs que conquistou em todo o mundo. Foi fundo nas raízes de nossa canção e de nossa gente. Pesquisou, inovou, revitalizou o samba que andava a passos lentos, sem jamais aceitar o rótulo de sambista; e com toda a razão, pois, embora tenha sido e ainda seja a melhor cantora de samba da história do cancioneiro popular, Clara era tudo, era demais, era música à flor da pele.

Clara uniu a voz à poesia. Se casou com um poeta. Em 1975, Clara Nunes e Paulo César Pinheiro, um dos maiores compositores do país, se casaram numa linda e emocionante cerimônia no Rio de Janeiro. Clara e Paulo se casaram no civil em regime de comunhão total de bens. A cantora agregou o sobrenome do marido ao seu, passando a assinar Clara Francisca Gonçalves Pinheiro. A cerimônia religiosa foi realizada pelo Padre João, grande amigo de Clara, que vivia em Minas Gerais e que foi ao Rio especialmente para unir o casal. Paulo passou a dirigir os discos da esposa a partir de 1976, quando foi laçado "Clara Nunes Canto Das Três Raças". Clara engravidou três vezes, mas, por problemas no útero perdeu todos os filhos que gerou e em 1979 teve que se submeter a uma Esterectomia.



Clara cantou de tudo, encarou quase todos os ritmos. Passeou pelo Bolero, flertou na Jovem Guarda, redescobriu o Samba, foi Romântica, cantou o Folclore de sua terra, desafiou governos durante a Ditadura Militar, enfim, era uma cantora de possibilidades ilimitadas, não podendo jamais receber rótulo algum. 



No dia 5 de março de 1983, Clara Nunes se internara na Clínica São Vicente, no Rio de Janeiro, para uma simples operação de varizes, problema que a incomodava a bastante tempo. Clara, no entanto, teve uma forte reação alérgica a anestesia e sofreu um Choque Anafilático. Um grande edema cerebral se formou e a cantora entrou em vida vegetativa.    

Na madrugada do dia 02 de abril do mesmo ano, Clara Nunes entrou oficialmente em óbito, após 28 dias em coma profundo no CTI da clínica. Poucos meses antes de completar 40 anos, uma das mais belas vozes brasileiras se calava. O Brasil parou. O povo brasileiro sofreu duramente a perda daquela mineirinha simpática, sorridente e cheia de vida. Parecia um pesadelo.

Clara Nunes havia prometido à Velha Guarda da Portela, da qual era madrinha, que voltaria no primeiro domingo de abril para realizar um show junto a seus afilhados. Voltou ao Portelão com um dia de antecedência, porém, dentro de um caixão.

E lá se vão 30 anos, mas, na memória se seus fãs, tanto dos que viveram aquele pesadelo de sua morte, quanto dos que conquistou após sua partida deste plano, parece que foi ontem. Para todos parece que Clara ainda vai ressurgir com seu vestido branco, sua cabeça enfeitada de conchas e flores entoando um canto de luz. 

Clara Nunes conseguiu o que poucos artistas brasileiros conseguiram: se tornou imortal. Virou mito. Não deixou herdeiros e se eternizou na memória de sua gente.


"Canta meu sabiá
Voa meu sabiá
Adeus meu sabiá
Até um dia!"
(Paulo César Pinheiro)



Abaixo o especial que a Rede Globo exibiu em homenagem à cantora:


4 comentários:

  1. Maravilha Caio!
    Amo as músicas dela. Quando ela se foi eu ainda faria 3 anos. Cresci ouvindo sua músicas por bom gosto do meu pai.
    Cada foto, cada informação é uma alegria. Triste sao os jovens nao se interessarem por este nível musical e por termos hoje em dia músicas de tao baixa qualidade. Parabens pelo texto. Clara raiou, resplandeceu, iluminou.
    Gostaria de ter o vídeo. como faço? ABs
    Leina Santos

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    1. Ei Leina,
      obrigado pelas belas palavras. Assino em baixo o que disse sobre a nova geração. Este vídeo está disponível no site www.youtube.com
      É só você procurar por: Clara Nunes - especial da Rede Globo, 1984.
      Abç!

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  2. Eu vi tudo isso acontecer. Parecia um pesadelo, mas tive que me conformar com o triste destino que estava reservado há trinta anos.

    Quem teve o privilégio, como eu, de ver CLARA em vida, jamais esquecerá o fascínio que ela despertava na gente.

    E assim vamos nós, seguindo-a no rastro da estrela na qual ela se transformou, que tanto brilha... brilha... brilha.

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