Beth Carvalho, a madrinha do samba



"É ela
Que a todos revela
Logo que sente um valor
Por nosso samba, essa chama conduz
Não vê barreira a transpor
Madrinha de bambas coragem, respeito, amor"
(Madrinha - Quinteto em branco e preto)


Talentosa, cheia de ginga na voz, generosa com os iniciantes e altamente polêmica. Assim mesmo é Elizabeth Santos Leal de Carvalho, nascida no Rio de Janeiro em 05 de maio de 1946.

Beth Carvalho, como é conhecida, nasceu em uma família cuja arte tinha uma grande importância para seus membros. Seu avô tocava violão e bandolim, sua mãe, piano clássico e a irmã, Vânia, cantava. O pai da cantora, o advogado João Francisco Leal de Carvalho era grande amigo dos cantores Sílvio Caldas, Aracy de Almeida e Elizeth Cardoso, a quem Beth já ouvia emocionada aos 8 anos de idade.

Beth Carvalho estudou violão em uma escola de música. Em 1964, após o pai ser cassado pela Ditadura Militar, por ter pensamentos de esquerda, Beth teve que ajudar nas despesas da casa. Passou a dar aulas de violão para uma turma de 40 alunos. Neste mesmo período, influenciada pela Bossa Nova e pelas rodas de samba que frequentava regularmente com o pai, Beth Carvalho descobriu- se como compositora e começou também a cantar. Em 1968, participou do movimento "Música Nossa", fundado pelo jornalista Arnaldo Henrique e pelo maestro Hugo Bellard. Com a chegada dos famosos Festivais, Beth passa a participar de praticamente todos eles, conquistando, ainda no ano de 68, o lugar com a música "Andança", de Edmundo Souto, Paulinho Tapajós e Danilo Caymmi. À partir daí, Beth Carvalho ganhou uma tímida projeção nacional.

Beth Carvalho sempre flertou com o samba, gênero que não passava por uma fase muito boa, num período em que a Bossa Nova e a Jovem Guarda ainda dominavam o mercado de discos. As gravadoras não apostavam no talento das mulheres, que segundo as próprias estatísticas, quase não vendiam seus discos. Uma mineira, que gravou boleros e versões, além de flertar com a Jovem Guarda, foi quem, no entanto, abraçou o Samba e derrubou de vez o tabu de que mulher não vendia discos. Cantora  já bastante conhecida - além de ser dona de uma beleza incomum, carisma incontestável e voz poderosa, Clara Nunes acabou estourando no cenário musical, consagrando- se como a maior sambista que o país já teve, aquela que preenchia a lacuna deixada por Carmen Miranda. Consequentemente, Clara acabou abrindo os caminhos para as mulheres, inclusive para Beth Carvalho, que pôde, enfim, gravar seu primeiro disco dedicado ao samba e obter sucesso nacional, passando a lançar 1 disco por ano a partir de 1973.

Beth Carvalho, entretanto, não gostou do fato de Clara Nunes ter roubado a cena. Começa ai um festival de desavenças veladas entre as duas, que acabaria em bate boca e provocações ao longo da vida. O público mais fiel percebia que Clara não se dava com a colega, mas, em geral, elas não deixavam essa rincha transparecer. O rancor de Beth Carvalho ainda se arrastaria por pelo menos 25 anos após a morte da cantora mineira, quando se deu a gota d`água e o balde entornou. Beth Carvalho deixou de encenar o carinho e a admiração que ao longo desses 25 anos dizia sentir por Clara Nunes e rasgou o verbo. Deu um polêmico e raivoso depoimento ao jornalista Vágner Fernandes, autor da biografia "Clara Nunes Guerreira da Utopia". No depoimento Beth Carvalho acusa a colega de plágio e diz que por ser mineira, Clara Nunes não poderia ter adotado o samba como gênero principal de sua carreira, mas ela sim tinha os ingredientes necessários para isto, por ser carioca. Este depoimento, além de criar um enorme mal estar e revolta por parte dos fãs, ainda renderia mais. A cantora Alcione, grande amiga de Clara, e até então amiga de Beth, tomou as dores da "mineira" e desmentiu Beth Carvalho em cadeia nacional, durante o programa de Lêda Nagle. Alcione chegou a sugerir à colega que "colocasse uma pulseira chamada desconfiômetro".

Vale ressaltar, que Beth e Clara nunca foram, de fato, amigas. Eram apenas duas artistas que aprenderam a se respeitar, para não gerar um mal estar ainda maior. Clara Nunes, se tornou um dos maiores mitos do samba e da MPB. Beth Carvalho, uma notável e respeitada sambista. No velório de Clara Nunes (falecida aos 39 anos em 2 de abril de 1983, vítima de um Choque Anafilático durante uma operação de varizes), Beth Carvalho era uma das artistas que mais chorava e lamentava a morte da cantora. Na missa da ressurreição, deu um lindo depoimento sobre a "amiga" e até os dias de hoje, sempre rende algum tipo de tributo à cantora, seja imitando suas roupas e adereços, seu cabelo, ou até mesmo incluindo suas canções em seu repertório. Fato curioso, polêmico e contraditório.


(neste vídeo, Beth é uma das que homenageia Clara Nunes, ao lado de Alcione, João Nogueira e Gisa Nogueira, no desfile de 1984, da Portela, escola do coração de Clara, que também aparece no vídeo cantando "Portela Na Avenida" )

Além de Clara, teve desentendimentos com outros artistas, como por exemplo, a cantora Elis Regina, que morreu sua inimiga. A briga com Elis foi pela primazia do lançamento da música "Folhas Secas", de Nelson Cavaquinho e Guilherme de Brito. Criou polêmica, também, ao alfinetar o "rei" Roberto Carlos, quando disse que se existe um rei na música popular brasileira, que esse rei se chama Zeca Pagodinho.


(Clara Nunes e Beth Carvalho em foto tirada no camarim do Teatro Clara Nunes - RJ, após o show Clara Mestiça. Beth estava na platéia assistindo ao espetáculo da rival)

Beth Carvalho, no entanto, consolidou ao longo dos anos uma incontestável carreira musical. Tornou- se um dos nomes mais importantes do samba de todos os tempos. Lançou artistas como Luiz Carlos da Vila, Jorge Aragão, Almir Guineto, Fundo de Quintal, Arlindo Cruz e Zeca Pagodinho, dentre outros. Por estar sempre à procura de novos talentos e lançando gente nova, Beth Carvalho ganhou o apelido de "madrinha do samba". 

Ativista política, é admiradora de Leonel Brizola, Fidel Castro e Hugo Chavéz. Tornou- se amiga da cantora argentina Mercedes Sosa, conhecida mundialmente como  "A Voz da América Latina". Torcedora do Botafogo (RJ) e Atlético Mineiro (MG) e filiada ao PDT. Apoia o MST (Movimento dos Sem Terra) e desfila há décadas pela Estação Primeira de Mangueira, escola da qual esteve afastada por um período de 4 anos, após ter sido impedida de subir em um carro alegórico durante o carnaval de 2007.


(Beth em desfile da Viradouro, após a polêmica com a Mangueira)

A cantora vem passando por um grande drama pessoal desde 2010, quando teve uma fissura o osso sacro, localizado na base da coluna vertebral. O problema se agravou  devido a uma Neuropatia. Beth Carvalho teve que passar meses deitada numa cama se recuperando da cirurgia e depois passou a utilizar uma cadeira de rodas. No final de 2010 voltou aos palcos, amparada por muletas. Em 2012, após lançar mais um disco com grande sucesso - "Beth Carvalho - Nosso Samba Tá Na Rua", a cantora teve que se submeter a outra cirurgia na coluna. Beth Carvalho, no entanto, vem enfrentando a enfermidade com extremo bom humor e paciência e sem abandonar o ofício de cantora em nenhum momento.



Beth Carvalho se apresentou em vários países, sempre com muito sucesso. Coleciona prêmios e é, sem dúvidas, aos 67 anos de idade, um dos baluartes sagrados do nosso gênero musical maior. Merece todo o respeito e destaque pelas lutas em favor do samba. 




Beth Carvalho, um pedaço importante da alma do samba. À artista, todo o respeito e à sua obra, a eternidade.


"Você é união, é comunhão, é aquarela
Beth Carvalho
Madrinha do samba da vela"
(Madrinha - Quinteto em branco e preto)



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