30 anos sem Elis, o eterno "Furacão" da MPB

"Agora o braço não é mais o braço  erguido num grito de gol.
Agora o braço é uma linha, um traço, um rastro espelhado e brilhante.
E todas as figuras são assim: desenhos de luz, agrupamentos de pontos,
de partículas, um quadro de impulsos, um processamento de sinais.
E assim - dizem - recontam a vida.
Agora retiram de mim a cobertura de carne, escorrem todo o sangue,

afinam os ossos em fios luminosos
e aí estou pelo salão, pelas casas, pelas cidades, parecida comigo.
Um rascunho, uma forma nebulosa feita de luz e sombra como uma estrela.

Agora eu sou uma estrela."
(Texto publicado na contracapa de "Trem Azul"
, Elis Regina, 1982.)
Há exatos 30 anos a voz de Elis Regina se calava para sempre. A "Pimentinha", embarcou num Trem Azul rumo a outros planos, e foi cantar no céu, foi cantar para outra freguezía, deixando aberta, uma das maiores lacunas da MPB, que jamais será tapada.

Baixinha, miúda e sem papas na língua. Assim mesmo era Elis Regina Carvalho Costa, a gaúchinha que deixou os programas da Rádio Farroupilha, de Porto Alegre, sua cidade natal, para no Rio de Janeiro, se tornar uma das maiores e mais importantes cantoras brasileiras de todos os tempos.

Era a noite de 23 de novembro de 1964. O público superlotava o Teatro Paramount. Vários outros grandes nomes da MPB já haviam se apresentado. Então, como que por encanto, um silêncio de mil séculos desceu sobre três mil pessoas. No palco, uma jovenzinha, com ares de colegial, graciosa e tímida, oprimida naqueles olhares de milhares de pessoas. O segundo seguinte foi inteiramente imprevisível.

Elis Regina e o Copa Trio iniciaram seu recital previsto no programa. Foram 45 minutos de pura arte e talento, interrompidos apenas para as palmas e assobios. No final, o público de pé, ovacionando em lágrimas a iniciante cantora. Nascia ali a consagração indubitável de uma das maiores cantoras brasileiras de todos os tempos, confiramada em 1965, ao vencer o I Festival Internacional da Canção, defendendo "Arrastão", de Vinícius de Moraes e Edu Lobo.



O começo de tudo foi o show no Bottle`s, no famoso "Beco das Garrafas". Lá, o exigente público carioca, pode constatar todo o seu imenso valor. Em seguida, outra vitoriosa temporada no Beco, desta vez, no Little Club. Outros shows por todo o Brasil começaram a surgir, sempre com grande êxito. Em pouco tempo, apesar de não ter gravado nenhúm disco de música moderna, Elis Regina passa a figurar na vanguarda das melhores intérpretes. Vários prêmios lhe foram concedidos.

Apresentou, ao lado de Jair Rodrigues o programa "O Fino Da Bossa", onde recebeu os maiores nomes da MPB.  E foram muitos os vôos vitoriosos dessa estrela desde que ela chegou ao Rio de Janeiro, em 1963, com 18 anos e pouco dinheiro na mala. Aquela pe­quena gaúcha de 1,53 m ("Meu proble­ma são 10 centímetros a mais; então es­taria tudo resolvido", dizia) desceu nervosa numa música popular enriquecida pela melodia da bossa nova e empobrecida pela escassez de intérpretes que levava ao reinado uma Nara Leão, desafinada, porém levemente soturna, como se que­ria.


Uma vida e uma carreira tão intensas deixaram uma marca indestrutível na memória cultural brasileira. Elis era polêmica. Tinha muitos desafetos. Brigou com muita gente, como por exemplo Virgínia Tapajós, esposa do compositor Maurício Tapajós, Maysa, Beth Carvalho, Alcione. Seu maior desafeto, entretanto, era a cantora Maria Bethânia. Elis chegou a chamar um Padre para benzer o palco do Canecão antes de se apresentar, pois, Bethânia havia feito uma temporada no local antes dela.

As pessoas que conseguiram conhecer a Elis amiga e amável, só guardam boas lembraças da companheira, mãe e dona de casa maravilhosa que sempre fora. Até mesmo com os amigos ela tinha suas rusgas vez ou outra. Cauby Peixoto lembra que uma das poucas pessoas que conseguiram conviver sem nunca ter tido um problema com a "difícil" Elis Regina, foi a cantora Clara Nunes. Além de Clara, para quem Elis dedicou o disco "Essa Mulher", de 1979, nutria uma relação muito próxima com Rita Lee, Milton Nascimento, Renato Teixeira, Paulo César Pinheiro, João Bosco e Aldir Blanc, dentre outros.


Nos últimos anos de vida, Elis levava consigo três fotos, que colocava no espelho de seu camarim. Nas fotos três amigos: Milton Nascimento, Rita Lee e Clara Nunes.


(Clara Nunes chora a perda de sua grande amiga Elis Regina. Clara e Hebe Camargo foram as primeiras pessoas que chegaram ao IML, assim que a morte de Elis foi anunciada)

Por seus erros, por se descontrolar, por se desentender com os outros e consigo própria, Elis descobriu ao longo de sua vida o direito de mudar de idéia. Tinha a força dos obstinados. Rompeu com a prudência e se atirou em seus desejos. Era absurdamente competitiva com suas colegas de profissão, e sempre fez questão de se mostrar superior a todas elas.

Fez e disse o que queria. Superou rótulos, acusações e cobranças. Confundiou, anarquizou, gritou e esperneou. Não levou desaforo para casa. Nervosa e doce pessoa, difícil de agarrar, de não dar o braço a torcer. Elis mostrou para o público a alma delicada  e o universo sutíl de um artista. Uma dose forte e lenta. Oito ou oitenta.

Para seus amigos e fãns, Elis era marca registrada da convicção, coragem e humanismo à flor da pele. Elis trazia o coração à boca, evidenciando sua genialidade, sempre a serviço do novo.

Modos peculiares de cantar e dançar, atitudes inesperadas, respostas mal educadas, gargalhadas livres e lágrimas incontroláveis. Elis era assim.


"A vida é como uma escola
E a morte é um vestibular
No inferno eu entro sem cola
Mas o céu eu vou ter que descolar
Mas quando alguém
Precisa de um carinho meu
Não há nada que me prenda
Mas se eu sentir que um bicho me mordeu
Sou mais ardida que pimenta!"

Mas, ainda que faça parte da condição humana, a morte não rimava com Elis. Sua morte, na manhã do dia 19 de janeiro de 1982, aos 36 anos de idade, chocou o país. Morte súbita, acidente, nada estava claro. A única coisa clara naquela manhã, era que o país amanheceu orfão de uma de suas estrelas de maior brilho. 

"Choram Marias e Clarices… Chora a nossa pátria mãe gentil. Em busca de um sol maior, Elis Regina embarcou num brilhante trem azul, deixando conosco a eternidade de seu canto pelas coisas e pela gente de nossa terra. E uma imensa saudade."



Mais tarde, a causa mortis fora revelada. Elis Regina, sofreu uma Overdose. Uma mistura letal de álcool e cocaína parou o coração da Pimentinha. 

Os motivos de sua morte prematura não importam, pois, mais importante que isso é seu legado, as lembranças de um "FURACÃO", de uma gigante da MPB, que será eterna em nossa memória.

Elis Regina, Clara Nunes e Elizeth Cardoso, são três pilares de uma estrutura, que serviam de esteio para o resto. Três acidentes biológocos raros. Com toda a certeza, jamáis teremos outras cantoras como essas em nosso país. Cantoras, que além do domínio técnico do canto, o conciliavam brilhantemente à emoção, e que traziam nos olhos o amor pelo ofício.

Elis foi casada duas vezes. De seu primeiro casamento com o compositor Ronaldo Bôscoli (1928 - 1994), Elis deixou um filho, João Marcello (1970). Do segundo casamento, com o pianista e arranjador César Camargo Mariano (1943), Elis deixou Pedro (1975) e a cantora Maria Rita (1977).

Elis, o eterno MITO da nossa canção.





Se viva fosse, e se não tivesse feito nenhuma plástica, talvez, seria esta a aparência de Elis hoje, aos 66 anos:

Um comentário:

  1. Não há como não amar uma pessoa revolucionária com uma grande voz, que deixou um grande marco na história da MPB.

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