Elis na intimidade

"Coisas que a gente se esquece de dizer
Frases que o vento vem as vezes me lembrar
Coisas que ficaram muito tempo por dizer
Na canção do vento não se cansam de voar..."
Esta semana, o Visão Geral está dedicando espaço a divulgar, às novas gerações, um pouco da vida e obra dessa que foi uma das maiores cantoras da MPB de todos os tempo, e que completará 30 anos de ausência no dia 19 próximo.

Açougueiro na Vila Albertina, zona norte, o português Manoel Rodrigues ajudava a cliente, que era baixinha, a descer de seu jipe. Maria Rita ia para o colo do comerciante. Elis usava o telefone da loja e até pegava emprestado alguns cruzeiros para ir à quitanda. "Ela entendia de carne. Tirava a peça do gancho e cortava o contra-filé da bisteca em pedaços grandes", conta.

"Ela fazia churrascos, era corintiana e gostava do Lula. Gravava discos no Bexiga e almoçava nas cantinas mais banais do bairro, sem cerimônia. Não é à toa que o povo se identifica com ela", diz o compositor Renato Teixeira, que alugou a casa de Elis na Cantareira quando a cantora se mudou para o último apartamento, na rua Melo Alves, Jardins, zona oeste.

O assessor de imprensa Marcio Gaspar trabalhou na divulgação do álbum "Essa Mulher" (1979). De tanto rodar a cidade a bordo de um Fiat 147 rumo às rádios paulistanas, os dois ficaram amigos. Gostavam também de varar a madrugada conversando em passeios de carro pela avenida Paulista. "Ela mudava de humor muito rápido, competia com as outras cantoras. Quando esbravejava, ficava completamente vesga. Mas era muito divertida", afirma.

João Marcello, filho de Elis com o compositor Ronaldo Bôscili, seu primeiro marido,  se lembra de passeios pelo Simba Safari, pelo Planetário e pelo Mercado Municipal. "Ela ia meio disfarçada com lenço e óculos escuros. De vez em quando era descoberta e precisávamos ir embora correndo. Mas, como adorava fazer esse tipo de coisa, sempre voltava", conta.

Foi de Elis a única visita que Rita Lee recebeu quando estava presa na cadeia do Hipódromo, em 1976. "Ela rodou a baiana para saber se me tratavam bem. Eu era da turma das guitarras contra a qual eles fizeram a passeata em 1967. Mas, a partir dali, viramos amigas de infância.".

Com a mudança para a serra da Cantareira, na zona norte, as reuniões caseiras se tornaram mais comuns. "Ao invés de cães de guarda, eram gansos brabíssimos que vinham nos receber. Morria de medo deles", também conta Rita.

A cantora Márcia, companheira desde as rádios gaúchas, também foi comadre. "Nós falávamos de maridos, bordado e artesanato. Nossos filhos estudavam no colégio Pueri Domus. Ela achava que São Paulo era o melhor lugar do Brasil para criar filhos", diz.

O compositor Thomas Roth esteve no hospital São Luiz após o nascimento de Maria Rita, caçula de Elis. "Ela optou por uma técnica de parto similar à dos indígenas. Foi nos receber na porta, enquanto César descansava na cama. Com um senso de humor incrível, apontou para César e disse: vejam no que deu o parto de índio."

Elis Regina já recebia o maior cachê do Brasil quando se mudou para um apartamento na avenida Rio Branco, na região central. Milton Nascimento foi até lá para mostrar suas músicas. "Gilberto Gil também era iniciante. Estava lá ajudando Elis a escolher repertório para o próximo disco", conta Milton. "Toquei todas as minhas músicas com os dois em silêncio. Até que ela me perguntou se não havia mais nenhuma. Por fim, apresentei a 'Canção do Sal' e ela decidiu gravar. Tudo que eu compus desde então foi para Elis", afirma.

A cantora liderou uma passeata contra as guitarras elétricas, na avenida Brigadeiro Luís Antonio, ao lado de Jair, Gil e Edu Lobo, antes de se mudar para o Rio e se casar com Ronaldo Bôscoli, em 1967. Só voltou após a separação e um novo casamento com o músico César Camargo Mariano.

Nos últimos anos, havia sempre três fotos no espelho do Camarim de Elis Regina. Nas fotos, três grandes amigos: Milton Nascimento, Rita Lee e Clara Nunes.




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